Metaforia Constante de Olhos que Ouvem Vida [ou resgatam o trauma da boca calada]

26.12.06

Fortaleza

Passagens abertas na Terra do Sol.

O dia resplandece e chama:
- Venham novos horizontes!

Tantas tormentas, tantos emaranhados.
Nós de marinheiros,
que desandam a desatar.

Fase de menos nós.

Fase de mais de nós.
De um pouco de nós.

Estranhas marés,
doces ao luar.

Abraçaram a noite,
sem medo do hoje.

E à luz da praça,
que não previa,
beijaram o dia.

Amanhã não existe,
e Sol já está lá.

Se porá,
e depois nascerá.
Sem corar com decorrer.


Deixa fluir.


Sentemos à platéia
e contemplemos.
O canto da vida,
de novo e sem pressa,
convida:
- Já vai começar.

18.12.06

O mercado do amor ou poesia de final de ano


“Eu quero acordar de manhã e dividir pensamentos.
Eu quero um café da manhã recheado de sorrisos,
uma casa de luz e carinhos.

Eu quero um trabalho feliz!
Eu quero sair da minha casa,
Pegar o meu carro
E ocupar meu espaço no mundo.

Sou mais um corpo no mundo.

Eu quero um cachorro.
Quero as roupas mais lindas.
Eu quero filhos.
Eu quero ser muito feliz.
Eu quero.

Eu quero,
eu quero,
eu quero.
Desejo.
Eu quero!
Só quero,
eu.”


Euquem, no final do ano de 2006,
época de festas e mais horas-felizes


Acordo.
Olho o relógio e retomo a consciência.
Sou mais um corpo no mundo.

Me aproprio do espaço do leito.
E é só a minha vida que o anima.
Sou mais um corpo no mundo.

Meus pensamentos despertam.
E reclamam a ausência de outros.
Sou mais um corpo no mundo.

Escovo meus dentes.
Me olho no espelho e questiono.
- Sou eu mais um corpo no mundo?

Saio à rua. E percebo movimentos.
Há corpos no mundo.

Eu desejo as pessoas.
Eu as quero por perto.

É natural?

É de uma pessoa apenas que pessoas precisam?
É de sorrisos e margarinas?
É de uma casa colorida?

É de quem esse espaço?
E esse amor? É de quem?
Quanto custa?

"Quinze reais no cinema!
Cinqüenta reais no motel!
Duzentos reais nas lojas de todo o Brasil!
(Aceitamos redixóp!)
É uma pechincha!

E quanto menos te satisfizer,
(É garantido!) mais você deve comprar.

Sonhe!
É assim, eu te mostro..."


Amor humano sem nome.
Sentir sem ter nota fiscal.

- Mercantilizaram o amor!

Sair às ruas e conviver.
Descartar angústia e desalento.
(Sentimento plantado)

- Me plantaram a solidão.

Onde foi que nos perdemos?
Eu quero amor.
Pois eu sou mais um corpo no mundo.
Em mundo de corpos.
Em mundo de gentes.
Em mundo de homens.
Mulheres e homens.
.
Não preciso ser só.
Nem preciso
do amor-enlatado-traduzido-mentiroso-doriana-de-véu-e-grinalda
que vocês insistem em me vender.

- Povo, onde foi que te esconderam, entre esse monte de cifrão?

É que eu queria dizer,
que é a ti
que deveria declarar o meu amor.

14.12.06

Esperança incomoda, mas persiste. É motor.

9.12.06

Fernanda e Benjamim


FERNANDA (em delírio)

Dá-me licença.
Deixai-me passar.

Prevalecem tuas vontades,
Mas não me comandas.
Não tens a habilidade.
Faltam-te as manhas.
.

(perdido e a negar) BENJAMIM

Exijas-te mais.
Não me machuque.
Apenas esqueças.
.

FERNANDA (em ira)

Tu não pertences.

Não te meta no mundo
do qual não recebestes convite.

(e para si diz)
Se assim viverei em paz,
o rechaço é caminho.

.

(infeliz) BENJAMIM

Te ouço distante,
Não te vejo sorrir.
Te sinto a falta.
Mas a ti,
não consigo sentir.

Onde foi que te esquecestes a ti mesma?
.
.

FERNANDA (vazia e determinada)

Te determino:
Dá-me licença!

Eu preciso seguir,
e tua prisão não permite.
Estejas longe de mim.

(e para si diz)
Por mais que a tua falta
seja minha convalescença.
.
.

NARRADOR

Da arte de narrar a dor,
Se diz em preciso momento,
Em exagero incolor,
Que o mais poderoso tormento
Só trará desconforto.
Só trará desalento.
E jamais será justo ao amor.

Se na doce Fernanda
Não se vê mais verdade,
Doente, não canta,
Não anda não chora nem arde.
É morta e não crê,
É presa nas grades.
Indiferente e enferma,
maltrata-te.

Pacífico sensível Benjamim.
Revoltado entristecido Benjamim.
Terno, carinhoso e perdido Benjamim.
Tu sofres Benjamim.
E perdoa Benjamim.
Realenta o coração, reaviva.
Beija, beija.
.
.
FERNANDA
Benjamim

5.12.06

Carta do Professor

Paula, tomei a liberdade de ler seu texto fazendo uma nova edição. Não cortei nada porque achava ruim. Nem propus esta redação porque achava melhor. Foi só para lembrar que a leitura é um modo de editar. E cada edição, uma nova poética.

espero não perder sua amizade depois desta " licensa poética "
Silvio

"Cego caminho, encontro imediato e impreciso.

o toque dos seus pés estão ligados ao chão. suas pernas, seu corpo e seus desejos. eles encostam confiantes no chão. um-após-outro. enquanto um toca, o outro se prepara para um mergulho inseguro-incerto onde os sentidos não permitem que se previna. a cada novo mergulho invertido da gravidade, busca os anteparos que brilham. os seguros-suportes que reluzem de suas mãos. e alerta, se permite sonhar com o novo a cada momento. Agora o espaço entre suas idéias e seus limites é de um braço. de uma perna. dos seus braços e das suas pernas. é com o toque que seu mundo se constrói... um sentido trabalha a favor da antecipação. É preciso esperar que o tempo alcance o tamanho dos seus braços e das suas pernas para que possa ver o que de novo há por vir.
paula sempre constante, é preciso ver com toque.
quatrododozededoismileseis"


Caro Professor,
Tomei a liberdade, então, de publicar.
Obrigada. De coração.

2.12.06

Ponto Cego

Um começo de caminho.
O encontro imediato e impreciso.

Segue passo-ante-passo, marca-passo, percebendo a importância do toque dos seus pés ao chão. Mais do que nunca, seus pés estão ligados ao chão. Sente o movimento dos seus músculos que sustentam suas pernas, seu corpo e seus desejos. Eles encostam confiantes no chão. Um-após-outro. E enquanto um toca, o outro se prepara para um mergulho inseguro-incerto onde os sentidos não permitem que se previna o desencontro. Ou encontro inesperado. A cada novo mergulho invertido da gravidade, busca os anteparos que brilham aos seus pés. Os seguros-suportes que reluzem às suas mãos. E aberta, se permite sonhar com o novo a cada momento. Agora o espaço entre suas idéias e seus limites é de um braço. E de uma perna. Dos seus braços e das suas pernas. É com a arquitetura do toque que seu mundo se constrói. E menos um sentido trabalha a favor da antecipação. É preciso aguardar. É preciso esperar que o tempo alcance o tamanho dos seus braços e das suas pernas para que possa ver o que de novo há por vir. Agora.

É preciso.
Ver com toque,
Em desfoque,
O áspero-doce
Presente de decisões
Mais precisas.

1.12.06

Par Avión

Que vontade maluca de te dar um beijo. Tenro. De carinho verdadeiro. De companhia. Que vontade incontrolável de amizade. De passar a mão cuidadosa em teus cabelos. De te ouvir dormindo. De te ouvir falando. Te ouvir pensando. Baixo e alto. Que vontade de mostrar pra você tudo o que eu fiz. Foi pouco, deu um pouco errado. Mas “Tudo bem”. Ficou bonito.

- Vem aqui e te aconchega.

Quero te contar uns filmes que vi. Discutir um pouco e me irritar com meias na sala. Quero olhar para trás e ver que não posso mais mudar tanto quanto podia antes. Mas “Tudo bem”. Ficou bom assim. É fácil se acertar. É fácil brigar também. Eu vou cuidar. Espernear às vezes de chilique inquieto. Mas aí vou pensar de novo. E você vai se chatear. Mas “Tudo bem”. Ficou chato. Mas “Tudo bem”.

- Vamos dormir, que já é tarde.

Quero testemunhar tua vida. Não acredito mais em vidas passadas nem futuras. Tudo o que somos acaba aqui. É uma história única ligada ao ritmo do corpo que sua. Que vive, experimenta. E eu não queria deixar marcas esparsas. Letras desenhadas no papel. Não basta. Quero ter marcas de outros. Mais de perto. E crescer ainda. Mais. Não está bom assim. Mas “Tudo bem”. Ficou claro.

- Ó, o teu leite já tá pronto.

Vida de sorteios-estatísticos. Nunca tive sorte com os números.