Metaforia Constante de Olhos que Ouvem Vida [ou resgatam o trauma da boca calada]

27.2.07

Em travessia

Viaja em cima de seu companheiro. Solitária, segue curso ao longo de estrada sinuosa. Interminável. Séculos a separam de sua história. Caminha há dias que já não mais sabe. Não conta mais. Nem precisa. Suas andanças pelo mundo a fazem sorver momentos preciosos. Os contatos que estabelece justificam sua presença. Seus porquês. Carrega dentro de si os motivos de outros mundos. Pensamentos incerteiros, incertezas obscuras. Seu companheiro a carrega apenas. Não tem longos pensamentos, nem dúvidas incômodas. Sente portanto, ama por instinto, fazendo companhia.

Pelos caminhos param. Vida simples de caminhadeiros. Se alimentam, se embebem, se renovam. E se guiam adiante. Seguem. O objetivo se revela a cada instante de novo toque. Toque de espaço, toque de mãos, toque de vozes, toque de trocas. Pesquisadora, beira cidades para não queimar os lábios. Aos poucos incurte confianças. Conhece. Experimenta novos seres. Observa aos poucos o quanto é diferente. E o quanto é igual. Inclusa.

A cada tempo passado, cada nova cidade visitada, vai deixando para trás aquela origem. Desconhece mais e mais o seu passado. Esquece o inconsciente para explorar os novos mundos. Se explorar em novos mundos. Transcende. É agora exconsciente. Que vai aos poucos divulgado percorrer novo horizonte. Onipresente.

Percorre solitária em seu cavalo. Em estradas recém traçadas. Novas e sem fumaça. Em outro tempo. Outros espaços. Aguarda sem mais pressa as populações a apreender.

E descobre que ainda se encontra apenas na metade de uma jornada infinita.

21.2.07

Esguichos de Necessidades

Ordenadas, pessoas diversas encontram-se. São momentos divididos entre estranhos. Uma ansiedade silenciosa compartilhada. Os relógios, a pior companhia, são apreciados como os amantes ciumentos que investigam olhares furtivos de seus suspeitos cônjuges. São em maioria mulheres. Aguardam atentas atendimento. Única é a fila para o bilhete único. Solução única. Tempo perdido em espera. As mulheres são mais calmas. Um homem vai e se exalta. Um guichê vai almoçar. Ficam dois. As crianças correm de um lado para outro. Uma finge ser avião e voa livremente com braços abertos por entre as pernas impacientes daquele amontoado de gente. A outra faz do baldinho um tamborete. Sai encantando a avenida com seu ritmo carnavalesco perfeito. Todos aplaudem. Incomodados com tamanho barulho soltam bufas de desalento. Mas a avenida tem disso não. Tem um mais à frente, que brinca com seu carrinho. E já cansado de se acocorar resolve sentar em cima de um pé. Pé de moça que se acomoda como cadeirinha e dá uma cutucada quando a fila tem que andar. Tem a outra que trouxe um livro. Concentrada não percebe que além dos olhos, os lábios acompanham as letras que com palavras exprimem idéias, e a faz viajar. Para bem longe dali. Para voltar de imediato quando a dona com cabelo enrolado num pano se põe a reclamar. Tem gente que puxa conversa. Fala da fila que estava no outro dia. Fala de quando vai ter que voltar. E o tempo passa e passa e passa e o delicioso momento, do atendimento se põe ali. Logo a alcançar. O guichê é ela também. E está mal-humorada. Digita os números que não entende várias vezes. Carimba, dá um visto, passa a cola, cola a foto, bota o clip e me manda voltar: daqui três dias.

À fila.

16.2.07

Pedras

(homonimidades emprestadas)

Pedras de cores.
Histórias sedimentadas.
Geologia posta em contexto.

Existem as pedras claras.
Das Claras Marias, das vindas e idas.
Torneadas pelos mares, pelas chuvas e pelo sol.

Chegam a justificar sua presença.
Transparentes ou translúcidas,
delicadas e femininas,
são capazes de contar histórias.
Inspiram filósofos.
Tocam os pés dos poetas.
São doces,
são salgadas,
são sensíveis pedras.
Pois refletem a vida daquelas mãos que as tocam.

Existem também as pedras escuras.
Taciturnas,
Circunscritas.
São junções de contos, superposição do tempo.

Inacabadas, entregam-se aos poucos
àqueles que se atrevem resgatá-las
e conservá-las para suas próprias eternidades.

As pedras constroem.
Edificam passagens,
relembram momentos.

Significam.

12.2.07

(Viagem) À Bahia

Cactos, costuras, cacarejos.
Enfeites de janelas.
Penduricalhos barulhentos.
Enferrujados predispostos,
Indispostos predicados.
Riso leve ao relento.

Viajantes curiosos,
Fronteiras adivinhadas.
Vizinhas excomungadas.

Ternuras populares
vêm cantadas
e ditas soltas.
Ao bandeirolar do vento.

Expressões, que
exploradas:

- Diversidades.

Descreditadas. Têm logomarcas.

São fotos,
flores de lótus,
candangos-jogos,
contexto posto.

Prescrevido,
Destemido,
Tímido resíduo.
Um momento único,
devido e lido.

2.2.07

Silêncio

Sento à janela, indiferente, ao ritmo insano que a cidade apresenta.
A selvageria das estúpidas relações mal-resolvidas.
A tristeza da solidão que prende, que priva, que mata.

Jamais serás preenchida.
Não tem de ser. Não é merecida,
em sociedade de loterias.

Daquela onde poucos têm o direito
de serem amados.

Ser tocado,
ser verdade.
Ter percebido.


Sentido,
sem sentido.
Sem forças,
nem crenças.

Malemolências.

Um dia de lua,
de tristezas,
de cartas mal-recebidas.

Informações trocadas,
erros cometidos.

Desinterpretações corriqueiras,
falta de tempo e de espaço.

Prefiro calar-me.
Ficando aqui em silêncio.
Me acompanhando satisfeita.
Trilhando caminhos novos,
e tranqüilando a mente.

É possível boiar,
quando o mundo em tormenta,
atrapalha teu curso,
e não te deixa pensar.

1.2.07

Impotência

Uma lembrança de sensação que primitiva sobe as entranhas.
Sobe invadindo mais que rasgando,
destruindo mais que manchando.
Inabilitando redes.
Desconexas a essa altura.

A vida faz de ti o que bem entende.

Às vezes te deixa decicir a cor.
Ou a hora.
Te permite encontros.
Desencontra.

Às vezes
te deixa plantado do outro lado da linha,
ouvindo musiquinha, esperando a vontadinha,
que mísera, te ri na-cara.
Te ignora. E aí te desliga.
Na cara.

E pequeno,
tu ficas prostrado por uma voz.
Uma voz desconhecida.
Uma voz mecânica.
Uma voz que sabe teu endereço,
sabe o teu telefone,
sabe teu nome
e teu aniversário.
Uma voz que não te significa.

Ela te protocola e tu és mais um número,
apenas uma hora gasta.

E tuas lágrimas não contam.
Teu embaraço não serve.
Tuas idéias não podem ser cadastradas.

Tu.

Tu deixas de ser.
Voltas para a vida com as mãos presas.
E a mente tolhida.

E já não há solução.
Te esqueceram para sempre.
Não te irão mais ouvir.

Nunca mais.

Atendido em um do dois de dois mil e sete. Cliente cadastrado desde oito de novembro de dois mil e cinco com pendências de conta. Pedido de retirada de alerta negado. Condição de atendimento pessoal apenas nos postos credenciados ou via carta registrada com firma reconhecida em cartório. Porque a voz não vale. A verdade é mentira. E nós não podemos fazer nada. Protocolado às dez e trinta e oito da manhã sob o número sete cinco oito quatro quatro nove oito seis dois um zero zero zero zero dígito um.