Metaforia Constante de Olhos que Ouvem Vida [ou resgatam o trauma da boca calada]

26.7.07

Inexistência

A imagem borrada de você,

a imagem borrada de quando você apareceu,

a imagem borrada de você que não apareceu,

a imagem borrada dos teus olhos olhando para os meus,

a imagem borrada da tua barriga roçando minha nuca,

a imagem borrada da manhã de chuva e fria, recebida em teus braços,

pelos teus braços.

A imagem borrada pela falta de paciência.

Imagem borrada com a perda da crença;

Imagem ruidosa e apagada,

destruindo-se ao som do solvente.

Imagem sorvida.

Só e magem.

9.7.07

Do aquecimento global

Ouvi dizer que agora faço parte de um
grande plano de responsabilidade ambiental.

Para todo o lado me dizem
como.

Como devo tomar banho,
Como devo escovar os dentes,
Como devo separar o lixo,
Como devo limpar a minha bunda,
Como devo evitar a carne,
Como devo utilizar as praias, os parques, as ruas.

Dizem que eu devo parar de fumar,
dar carona para o meu vizinho,
ou andar de bicicleta, de ônibus, de metrô.

Fizeram um chou muito daora
com um monte de artista gringo,
e artista brasileiro-vendido,
para me convencer que o planeta tem que viver.

Cartilhas assim estão invadindo murais
de postos de saúde na periferia,
paredes de elevadores
de tudo quanto é predinho de classe média,
jornais,
revistas-de-fofoca tipo caras,
revistas-de-adolescente tipo atrevida,
revistas-de-mentiras tipo veja,
e o mais efetivo meio de formação de exércitos abobalhados:
a te-vê tipo globo.

"Idiotas do mundo: uni-vos!"

"Juntos e,
gratuitamente,
trabalhemos em prol da faxina do planeta."

"Diminuamos o consumo de água!
(Mas consumi, consumi, consumi os produtos que nós estamos a vos oferecer!)
Selecionemos os nossos lixos!
(Assim como selecionais os teus vizinhos!)"

E assim o planeta,
para uns poucos,
sobreviverá.

A Casa Demolida

Hoje deixo a casa antiga,
sapatos à porta
e sigo.

Construção de pau-à-pique.
Erguida ao pique do possível.
Levantada com a força da proteção.
A necessidade segunda da vida:
abrigação.

O terreno é de empréstimo.
A terra é de encontro.
Negociado.

Por uns, surrupiado.
Pelo justo, pelo mínimo,
alcançado.

Ocupado, apropriado.

Aquela casa acalenta,
de todo o frio do qual não se pode morrer.
Do frio que extermina.
Mas não do frio que somente-incomoda.

Uma casa de ontem.

Uma casa pequena.

Uma casa.

Assim, demolida de tempo.
Corroída das horas.
Efêmera como homens.

Passageira.

São assim como os pensamentos, como as razões e os sentimentos.
Vão-se construindo ao material disponível (tanto escasso dia-de-hoje),
duram o tempo de uma vida, meia-vida, instante-de-vida e desaparecem.

Operária solitária,
(falta-algo)
em busca do
terreno, da
matéria, e da
razão.

1.7.07

Timidez de Seleção

"Cavalo de circo não corre uma vírgula"
(Carlos Drummond de Andrade
Parêmia de Cavalo
em Boitempo - Menino Antigo)

A menina tímida,
sentada ao piano.
É capaz de exibir grandeza
em território incomum.

Pode subir em palanques,
gritando idéias conhecidas.
À vontade no conhecido.
À vontade do conhecido.
Mulher de brado leonino.
Doce coragem ao sabor do coerente.

Só não é capaz de sentar-se entre estranhos,
massificados-infelizmente
dos-assuntos-massificados-dos-saltos-dos-sapatos,
para fazer refeição
e sorrir o sorriso-de-massa,
sorriso-de-pão,
sorria-maldita,

de-televisão.

(em 26/06/07 escrito à mão no livro do drummond)