Metaforia Constante de Olhos que Ouvem Vida [ou resgatam o trauma da boca calada]

30.1.07

Maquete

Da diminuição do todo.
Escaladas escadas.
Edifícios menores.

As árvores retorcidas,
desenhadas,
reproduzidas.

Tudo no branco,
retratação do infinito.

Caminho pequena,
em-um-pra-mil,
nas calçadas de uma cidade ideal.
De uma idéia gerada.

A perfeição do pensamento,
mimetizada.

Eu caminho e procuro.
Procuro as referências que me trazem a ti.
Palavras que me inspiram de ti.

Simples palavras,
pequenos reflexos,
Complexos intuitos.

A palavra que me dita,
na verdade não é palavra.
É um estado.

E a palavra...
A palavra é sorriso.

22.1.07

A Primeira Memória

Companhia.
Antiga idéia de companhia eterna.
De lembranças guardadas, histórias compartilhadas.

O um que desde sempre esteve por perto.
Era pequeno, pequeno e dançava.
Segurava os discos enormes
e fazia todos rirem com seu ritmo entusiasmado.
Seu sorriso enquadrado:
entre molduras de bochechas fartas,
e macias.

Solícito de jeito livre.
Para o que precisar.
É só pedir.
E ele está lá. Está aqui. Está onde for.

Cabeça leve.
Rosto de tranqüilidade.
O tempo quase nunca é ruim.
É de personalidade.
Forte.
Temperamental,
todo cheio das certezas do mundo.
Teimoso que faz graça.

É meu pequenino,
um pouco do meu sorriso,
meu irmão querido,
grande amigo,
Rodrigo.

20.1.07

Amanhã

Suscetibilidades.
Acasos desconexos.
Ligações perdidas.

Abertura de vias.
Avenidas vazias.
Vidas unidas.

Reencontros partidos.
Promessas desembarcadas,
começo de outro tempo.

Tempo de quase,
tempo de sempre,
tempo de hoje,
eu te tenho.
Já venho.
Te vejo,
e não vago.

Conheço e esqueço.
Tropeço do endereço.
Começo,
e teço.

19.1.07

A alma, o coração e o pensamento

Um começo de dia.
Surpresas à parte.

Expectativas desmontadas a duras penas.
Desmanteladas,
A um só golpe.
Assim, como se fosse possível controlar a ansiedade
de um coração curioso. Furioso.
É. Deve de ser.
E a alma calma se aquieta.
Já é tranqüila em equilíbrio à mente transtornada pela velocidade do mundo.
O pensamento é um filtro. É canal. Dele brotam as palavras.
Conteúdos, sensações e música,
transformados em idéias-de-compartilhar.
Em linguagens.

A mente trabalha ensandecida.
Na tentativa de acompanhar as exigências externas.
Condiciona-se.
- E, portanto, tudo deve de ser ao tempo do mundo.

Os pedidos pacíficos,
os desejos pueris,
a essência leve da alada alma,
são encaminhados em atas.
A burocracia do pensamento,
em velocidade descabida.

Acalme-se pensamento.
Permita à alma, tão certeira,
pacificar o coração.

É um começo de dia.
Surpresas à vista.

17.1.07

Alegrias em frases soltas

Aos ventos e ao chuvisco, o caminho pela cidade é complementado. Passeios entre postes e avenidas. Flagro o cachorro envelhecido e a sombra mimetizada de uma árvore ao pôr-do-sol. Mas era dia. Dia sem sol. Dia de garoa fina. Dia de alegrias. As prisões do dia. Obrigações tardias. Em um momento enrijecido, em outro leve e frouxo, o pensamento se multiplica para abraçar todas as frentes que a imaginação inventou. O flerte assassinado deixa de acompanhar. Questões eternas que passam a brilhar. Pululam de vento em popa como se fossem gotas excitadas pelo bater do barco. O barco ao mar. Mas o mar já não existe. O mar só é lembrança. E de água resta a chuva restam garrafas para molhar as pedras que ficam mais lindas mais transparentes mais pedras mais verdadeiras ao luar. E a cidade grita. Os martelos avisam.

- Há pessoas.

Há questões. Solicitam-me. A todo o tempo. Um tanto-quanto. Um tão que denuncia. Meu estar. Meu ser-em-maneiras. Uma maneira-de-estar. E é assim que permaneço. Em verbos de ligações que não ligam jamais. Estou desligada. Desconectada. Esquecida. Esquecida de como é. Cansada de como deve ser. E levemente alegre. De certa presença. Presença presente de todo dia. Conquista do todo. Conquista da crença. É possível. É passível. Aquele impossível que já passou.

13.1.07

Terra fria

De volta aos ares transtornados. Reconheço as avalanches de minutos que transgridem a sensação onírica de realidade daqueles que vivem. Soterrados. Respiram por breves momentos nas clareiras das horas. Claras. Adaptação necessária impõe mutações. Impõe diferenças. Amadurecimentos. Crescemos. Habitamos uma cidade de dominós. Onde tempo dias e lugares são a sorte. A sorte lançada. Perspicácia do jogador.

5.1.07

Em família

Complexidades à tona.
Resistência ao abandono.
Abandono de corpo. Confiança plena no apoio.
Não há como escapar.
São laços eternos.
São dúvidas constantes.

Crescimento exigido.
Convívio incentivador.

Caminhos solitários são desperdícios.

Desperdícios de tempo.
Desperdícios de energias.
Desperdícios das lágrimas insuficientes.

Ser humano é bicho de grupo.
Ser humano tem medo e chora.
Acha que sozinho encarará o mundo.

Mas a maior vergonha de que tem medo,
é a vergonha de seu mundo-em-si-mesmo.
De si mesmo.

Não a tenha.
Estamos aqui.
- Pro que der e vier,
contigo.

4.1.07

Carta de amor

(Escrevi este texto em 17 de novembro de 2006, em tentativa clara e desastrada de falar sobre o amor. Incentivada, resolvi trazê-lo pra cá.)

Meu amor,

Estive aqui a pensar no amor. Exercício aclichezado por muitos que se dizem poetas. E de fato o são. Não há como negar. Mas estou aqui a pensar no amor sem vestir qualquer personagem. Sou apenas aquela mulher que um dia você conheceu e insistiu em conhecer. Sou apenas mais uma mulher que fez parte da tua vida. Sou apenas mais uma mulher que te encantou desejos recônditos. Mais uma que te fez sorrir. Dentre muitas outras. Que te fez chorar, como algumas outras. Que te teve ciúmes das conversas com outras. Mulheres. Sou mulher comum. Não sou poeta. Não sou além. E penso em amor para te dizer. Quero te dizer como funciona esse sentimento aqui dentro. E aí quando penso nisso, clichês chovem. Granizos-clichês. Não há nessa mulher comum qualquer habilidade para escrever-sentimento. Discorrer-sentimento. Escorrer-sentimento. Te digo apenas o que quero.

Quero dizer que passo a mão nos teus cabelos e sinto o macio de tua voz transbordando através deles. Te digo que ao te ver andar na minha frente imagino o quão único me parece. Te destacaria em meio a qualquer multidão apenas pelo teu andar. Danço contigo, encostada ao teu peito segura e desejada. Converso com teus olhos por horas, chegando a remelar de tanto sorrir ao que eles tanto têm a me dizer.

E aí eu retorno ao pensar-amor. E vejo que são apenas meus olhos que podem trazer qualquer imagem. Não consigo superar qualquer tipo de barreira existente entre o mundo do amor e o mundo das palavras. Imagina-te! É tudo tão vazio que dois-mundos tão iguais, para mim são-agora diferentes. Em teoria são o mesmo, mas as idéias não falam a mesma língua do sentir. Palavras se perdem nos subi-títulus. Não sobem nem descem. Atravessam atropelando. E se confundem. Perdidas.

Meu amor, o que posso falar é que te sinto a falta. Te aguardo. E não sei mais se te acredito. Vivo agora com o ninguém. E por falta de sentir, não me apaixono por ele. Te aguardo. Vazia. Até que recebas esta carta e me possas retornar ao menos o que pensas sobre tudo. O que queiras me dizer. Ou se quiser, calar. Não me importa. Mas sei que te amo. Ou ao menos a idéia de amor. Aquela da qual não sei escrever.


Ansiosa,
te amo.

Maria

Do Eterno

Era fim de tarde. A cidade quente como nunca pedia que providências frescas fossem tomadas. O corpo relaxa de um jeito bonito. Até as cordas vocais menos afinadas são capazes de expelir música harmônica ao mundo. São cordas relaxadas. São cordas sem nós.

Era fim de tarde, mas começo de ano. A espera em agonia para alívio daquele calor parecia não ter fim. É que quando se anda em turma, uns esperam os outros. E aí o tempo deve ser maior. Sacrifício válido. Quando estamos todos prontos, partimos. Partimos em caravana de dois carros rumo à praia mais distante.

Era fim de tarde e o mar desafiava. "Ousariam?" Suas ondas baixas e espumantes pareciam comemorar aquela terceira tarde do ano. A praia era quase vazia. Um primeiro gigante, engolidor de igualdades, provocava a desertidão daquele pequeno paraíso: era tudo muito caro, mas ainda permitido. Era a parte natural que a artificialidade do tutu não seria capaz de macular para maiores lucros. Não precisava.

Éramos seis naquele fim de tarde. Nos acompanhavam cinco pranchas e um bom livro. Saíram quase todos ao mar. Carregando suas bases, seus desejos. Revesariam. Aquela vontade imensa de velejar entre as ondas por sobre pranchas estreitas fazia com que o convite se tornasse mais e mais difícil. As águas cansavam. A corrente puxava pelas pernas aqueles que insistiam ficar em pé quando ainda dava. Pé. Era tudo tão violento que tanto maior era o desejo de alcançar a paz distante das marolas inquebrantáveis, maior era o escárnio do volume imensurável das águas. E o tempo passava. "Tem que saber furar as ondas". Era tudo tão complexo. As pranchas que deviam boiar e suportar corpos dançantes em harmonia com o mar, trabalhavam contra aquela árdua travessia. "É preciso técnica, paciência e determinação. Persiste, persiste." Algum tempo de exercícios para que o esforço compensasse. E compensa. Mesmo aquele que consumiu o último fio de luz do dia na tentativa de atravessar, se sentiu respeitado. "É uma troca." Uma troca bonita e digna da selvageria do mundo natural. O mar acolhe. E aquele balanço acalma.

Era começo de noite. E o terceiro gigante começa a surgir. Impiedoso. Algumas combinações são impossíveis. Esta era perfeita. A Lua surgia como nunca se poderia imaginar. Cheia, amarela e repleta. Grande. Estando no Equador e no Horizonte, ela era impressionantemente grande. Algumas nuvens impediam por momentos sua completa aparição, e ainda assim, não havia maneiras de escondê-la. Foi um momento único. De uma beleza ímpar. De pensamentos ordenados como se fosse possível. Naquele momento era. Uma cabeça de ligeireza que incomoda foi capaz naquele instante de pensar. Pensar-em-tudo. Pensar-em-paz. O coração era livre. Era leve. E uma sensação indescritível de gratidão lhe invadia a alma. Eram os resquícios da religião. Mas era tão real, tão interno, que jamais poderia ter parecido vir de um livro ou de um jargão.

A vontade de escrever foi tão urgente que ainda um dia passado é tudo tão claro como se ainda perdurasse. Uma Lua e Mar eternos. Eternos nas idéias. Nas palavras, nas indignas palavras.