Metaforia Constante de Olhos que Ouvem Vida [ou resgatam o trauma da boca calada]

26.3.06

Esses dias, em meio à correria de um dia de trânsito, trabalho e amenidades, tirou a sorte num biscoitinho da sorte. Daqueles que os chineses tinham a tradição de comer depois das refeições. E, graças ao Lig Lig, esse costume é mantido com frases feitas e impressas ao acaso da estatística de um computador qualquer. A sorte pode ser entregue pelo prático sistema de delivery por apenas 50 centavos.

"Você que sempre teve o coração aberto, encontrará um que se abrirá para você."

Era isso que ela tinha tirado. E aquilo a encheu de uma alegria tremenda, que parecia que voltava a ter 15 anos. Parecia aquela menina que na janela olhava as estrelas e a cada oportunidade cadente, fazia um pedido. Um pedido que era sempre o mesmo. O de que desse tudo certo e que ela achasse o seu lugar no coração de alguém que se sentisse acolhido no seu.

Ela parou de procurar. Não quer mais viver esse sonho como se fosse apenas ele o projeto de seu futuro e de sua felicidade. Mas ela sabe que de alguma maneira, aquela menina continua viva e intensa dentro dela. É aquela a menina que sorri por trás do seu sorriso. Aquele que a caracteriza tão fortemente. É aquela menina que a move ainda. Junto com a mulher que se tornou.

E aí, hoje, quando estava prestes a sair de casa para ver poesia projetada no cinema, eis que se depara com uma enorme, mas era grande mesmo, mariposa. É possível uma mariposa ter asas tão lindas e tão grandes? Só que do mesmo jeito que era encantadora, ameaçava. Era negra. E enorme. Ela se viu acuada num cantinho da cozinha, olhando de longe aquele ser pousado na porta; e tremia. Procurava arranjar coragem para passar por aquele espaço sem que tivesse que magoar ou ser magoada por algo encantador. Não houve maneiras de passar despercebida. Mas tinha de passar. E aquele bicho assustado, tanto quanto ela, voava pela casa procurando um lugar para estar despercebido.

– Mariposa, pousa! Por favor pousa. Pousa que te abrirei as janelas, para que voes para longe e leve no coração de mariposa a minha admiração por tuas asas, por tua presença e por tua beleza ameaçadora.

E ela pousara. Assim como a mariposa. Que aguardaria em paciência o retorno da mulher assustada, que agora jamais faria qualquer movimento para segurar aquela companhia para si.

Eram as duas livres. E a mariposa voou pra longe. E confundiu-se, linda, com o tom negro do céu da noite.

Um recado. Nunca tinha visto algo como aquilo. Era novo. E era porque a janela estava aberta. Abriu-se para que os corajosos se sentissem à vontade. E ficassem o quanto quisessem.

Para estranharem-se, respeitarem-se, admirarem-se mutuamente.

Ela se apavorou com aquela mariposa. Mas a janela continua aberta. E agora é a vez dela de esperar. Pacientemente. Que a vida traga os bons ventos. As novidades ricas que jamais será possível sonhar. Ousa agora acreditar pro mundo ver. Ousa ser feliz como jamais imaginou.

E conforta aquela menina linda e frágil, em seu enorme, misterioso e aberto coração de mulher. Com aquele sorriso que agora dá pra sentir.

0 diz pra mim, diz

Postar um comentário

<< Home