Metaforia Constante de Olhos que Ouvem Vida [ou resgatam o trauma da boca calada]

4.1.07

Do Eterno

Era fim de tarde. A cidade quente como nunca pedia que providências frescas fossem tomadas. O corpo relaxa de um jeito bonito. Até as cordas vocais menos afinadas são capazes de expelir música harmônica ao mundo. São cordas relaxadas. São cordas sem nós.

Era fim de tarde, mas começo de ano. A espera em agonia para alívio daquele calor parecia não ter fim. É que quando se anda em turma, uns esperam os outros. E aí o tempo deve ser maior. Sacrifício válido. Quando estamos todos prontos, partimos. Partimos em caravana de dois carros rumo à praia mais distante.

Era fim de tarde e o mar desafiava. "Ousariam?" Suas ondas baixas e espumantes pareciam comemorar aquela terceira tarde do ano. A praia era quase vazia. Um primeiro gigante, engolidor de igualdades, provocava a desertidão daquele pequeno paraíso: era tudo muito caro, mas ainda permitido. Era a parte natural que a artificialidade do tutu não seria capaz de macular para maiores lucros. Não precisava.

Éramos seis naquele fim de tarde. Nos acompanhavam cinco pranchas e um bom livro. Saíram quase todos ao mar. Carregando suas bases, seus desejos. Revesariam. Aquela vontade imensa de velejar entre as ondas por sobre pranchas estreitas fazia com que o convite se tornasse mais e mais difícil. As águas cansavam. A corrente puxava pelas pernas aqueles que insistiam ficar em pé quando ainda dava. Pé. Era tudo tão violento que tanto maior era o desejo de alcançar a paz distante das marolas inquebrantáveis, maior era o escárnio do volume imensurável das águas. E o tempo passava. "Tem que saber furar as ondas". Era tudo tão complexo. As pranchas que deviam boiar e suportar corpos dançantes em harmonia com o mar, trabalhavam contra aquela árdua travessia. "É preciso técnica, paciência e determinação. Persiste, persiste." Algum tempo de exercícios para que o esforço compensasse. E compensa. Mesmo aquele que consumiu o último fio de luz do dia na tentativa de atravessar, se sentiu respeitado. "É uma troca." Uma troca bonita e digna da selvageria do mundo natural. O mar acolhe. E aquele balanço acalma.

Era começo de noite. E o terceiro gigante começa a surgir. Impiedoso. Algumas combinações são impossíveis. Esta era perfeita. A Lua surgia como nunca se poderia imaginar. Cheia, amarela e repleta. Grande. Estando no Equador e no Horizonte, ela era impressionantemente grande. Algumas nuvens impediam por momentos sua completa aparição, e ainda assim, não havia maneiras de escondê-la. Foi um momento único. De uma beleza ímpar. De pensamentos ordenados como se fosse possível. Naquele momento era. Uma cabeça de ligeireza que incomoda foi capaz naquele instante de pensar. Pensar-em-tudo. Pensar-em-paz. O coração era livre. Era leve. E uma sensação indescritível de gratidão lhe invadia a alma. Eram os resquícios da religião. Mas era tão real, tão interno, que jamais poderia ter parecido vir de um livro ou de um jargão.

A vontade de escrever foi tão urgente que ainda um dia passado é tudo tão claro como se ainda perdurasse. Uma Lua e Mar eternos. Eternos nas idéias. Nas palavras, nas indignas palavras.

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